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sábado, 19 de julho de 2014

19 de Julho de 2014: Uma tragédia no dia do futebol

Hoje, 19/07/2014, um evento trágico recaiu diante toda a sociedade: o falecimento do psicanalista, teólogo, escritor e educador Rubem Alves. Tendo uma repercussão bem mais impactante para quem o seguia, para quem, frequentemente, buscava estar mais presente diante de sua obra literária e, logicamente, para todos seus familiares e amigos próximos, estamos em luto pelo dia de hoje.



Autor de obras como Tempos Fugit, O Quarto do Mistério, Filosofia da Ciência e A Pipa e a Flor, o autor logo conquistou a todos com sua formação eclética e com sua objetividade. Um verdadeiro explorador da real essência humana e da alma dos seres.

Fã de futebol, Rubem Alves desenvolveu vários textos sobre o tema e foi capaz de criar inúmeras reflexões acerca do esporte, o que podemos ver em seu livro O Futebol Levado a Riso, que deu destaque a célebre frase:


"O futebol é o circo do mundo." Rubem Alves



Como viciado nessa modalidade esportiva, torcedor do Ceará Sporting Club de coração e palmeirense, além de ser leitor exímio das obras do autor, nada seria mais justo do que selar esse dia 19, Dia do Futebol, com uma homenagem ao falecido escritor.

Que Deus possa fazer o julgamento justo dessa sua vida tão iluminada aqui na Terra e que foi tão capaz de fazer um bem a sociedade. Sua falta já está sendo sentida.
Então, deixo a seguir esse texto de Rubem Alves, muito reconhecido e publicado no jornal Correio Popular, Campinas, na edição de 18/06/1998:


SOBRE O FUTEBOL E O ESTUPRO

Já contei do meu primo Nilo, aquele que morreu por causa de seu amor ao Botafogo: bebia para comemorar quando o Botafogo ganhava, bebia para apagar a tristeza quando o Botafogo perdia. Mas, de repente, me veio uma situação para a qual não encontrei resposta: "E quando o Botafogo empatava, o que o Nilo fazia?"
Depois de muito meditar concluí que, quando o Botafogo empatava, o Nilo bebia dobrado, porque não existe coisa mais chata que jogo que termina empatado. Jogo empatado é feito transa não consumada: os dois na cama, uma coisa emocionante tem de acontecer. Os dois se esfregam o tempo todo, pelejando para ver se pinta alguma emoção, mas tudo é inútil, pedindo desculpas ao outro, sem saber o que dizer e fazer. O jeito é beber...
A partida terminou empatada. Os dois times broxaram. Não adianta dizer que o espetáculo coreográfico foi maravilhoso, que os times exibiram técnica de rara beleza. Ninguém vai ao futebol para ver beleza. Beleza em futebol só é bonita quando o time da gente ganha. Futebol não é concerto. É pra sofrer e fazer sofrer: um espetáculo depravado, perverso, onde o orgasmo acontece sobre o sado-masoquismo. Ninguém assiste a um jogo de futebol por razões estéticas. O tesão do futebol se encontra, precisamente, na possibilidade de fazer o outro sofrer.
Pois o que é um gol? Um gol é um estupro. O prazer do gol é o prazer de ter estuprado o adversário, de ter metido a bola da gente no buraco dele contra a vontade dele. Uma partida de futebol é uma tentativa de estupro estilizada. Vai um time levando a bola, a bola tem de estar bem cheia, dura, vai o jogador ludibriando as tentativas de defesa, passando a bola no meio das pernas, o outro time faz tudo para evitar, fecha os buracos, todos lutando, não querem que a bola entre no lugar mais sagrado de seu time, aquele buraco guardado pelo goleiro, vem o chute potente, a bola vai, o goleiro se estira, inutilmente, a bola entra. Gol! O estupro aconteceu.
A torcida grita de prazer. É o orgasmo. E geme a torcida do estuprado: qualquer penetração violenta dói muito. Mas o prazer do estuprador está precisamente nisso: é o sofrimento do outro que lhe dá a medida da sua potência. Nada mais broxante para o estuprador que encontrar uma vítima que não ofereça resistência, que se abra toda e até goste. A tentativa de estupro terminaria na hora. O estuprador ficaria broxa. O mesmo com o futebol. É a resistência ao estupro que dá ao estuprador a medida de sua macheza. Cada prazer de gol é prazer de um estupro bem sucedido.





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